Novos rumos para a universidade

Por Frederico Vreuls

As universidades brasileiras se encontram em inegável processo de democratização. Naturalmente, as modificações se dão de maneira gradual, porém as novas políticas de inclusão e massificação da educação superior têm abalado o entendimento do que faz uma universidade e de qual é a sua importância para o país.

Inspirado por essas questões, o seminário “Cultura & Políticas Públicas: A Conexão Acadêmica”, realizado na UFRJ, pode ser compreendido como uma tentativa da própria academia de exercer um olhar crítico sobre si e enfrentar as suas contradições. Com isso, busca se reposicionar e se rearticular de acordo com as exigências de uma sociedade plural e multiétnica. O evento reuniu, na tarde desta quinta-feira (13), participantes para a mesa “Outras Epistemologias e a Academia”, moderada pela professora Liv Sovik, da Escola de Comunicação da UFRJ. Para Liv, esse encontro se justifica na medida em que “o conhecimento acadêmico se tornou um grande superego, às vezes já não passando a fazer sentido e a responder a questões que interessam à sociedade”.

Dupla inclusão

José Jorge de Carvalho, do Departamento de Antropologia da UnB, defendeu o aprofundamento das políticas de inclusão, como a de cotas, a fim de combater o “racismo acadêmico”. Propôs uma maior diversificação também do corpo docente como parte da reconstrução de um imaginário social, no qual o papel daquele que ensina é dotado de grande importância. “Através de ajustes nos corpos discente e docente, o imaginário passa a ser plural, e no interior desse novo imaginário outras epistemologias passam a ocorrer”, afirmou.

Desse modo, José aponta também para a inclusão de novos saberes no ensino e na pesquisa. Segundo ele, no decorrer da história, ao se tentar retirar a influência da teologia e da religião nas universidades, acabou-se por retirar também a dimensão espiritual e relacional dos saberes. Sua fala vai então além do movimento transdisciplinar, que para ele, apesar de representar avanço, ainda é incompleto por ser pautado no modelo de pensamento europeu. “A nossa realidade contém muito mais especificidades. O modo fechado e conservador com que as universidades encaram o encontro dos saberes nada têm a ver com conhecimentos práticos e teóricos”, criticou.

Como exemplo de contribuição da inserção de outras epistemologias no meio acadêmico, Rosângela Araújo, da Faculdade de Educação da UFBA, tratou a respeito da capoeira. Ela própria iniciada em capoeira de angola, Rosângela entende essa manifestação como campo normativo de trabalho, onde estão presentes, dentre outros, aspectos educacionais próprios. Mesmo que a capoeira não tenha uma unidade homogênea, apresenta formas de educar baseadas em princípios de respeito e confiança, que se dão principalmente pela relação mestre e discípulo.

Multirracionalidades

Prosseguindo acerca das alternativas e dos descaminhos da educação e da academia, Júlio César de Tavares, do Departamento de Antropologia da UFF, chama atenção para os resquícios de colonialismo que são ainda reproduzidos e mantidos nas matrizes do pensamento a respeito de nossa presença no mundo. Assim, pensa a “intrusão” de outros sabres como um alargamento de paradigmas dentro da universidade. Essa confrontação epistêmica violenta a milenar tradição universitária, produzindo dobras e frechas em sua produção. Para Júlio, isso põe em xeque a monorracionalidade eurocêntrica imperante, que destitui de valor e soterra a memória e a presença do outro. “Trata-se de um epistemicídio, uma destruição sistemática de modos de vida e pensamento. Isso mata o espírito, dilui a diferença”, avaliou.

Júlio ressalta, com isso, a existência de uma multiplicidade de racionalidades. “É costume, ao se falar em saberes populares, considerar que são movidos apenas pela sensibilidade, como se não fossem também pensados, mas somente executados”, ponderou. Segundo Júlio, a presença lúdica, na academia, das diferentes populações étnicas que configuram a sociedade nacional, gera a quebra do vício de pensar os outros saberes como primitivos, não dotados de profundidade analítica. “Tal visão aponta para a falência não só da academia, mas de toda a proposta de educação no Brasil, no ensino básico, médio e superior”, afirmou.

Para o antropólogo, se configura então uma pedagogia cívica, produtora de novas possibilidades civilizatórias, que transmite de forma articulada conhecimentos oriundos de diversas áreas. Uma pedagogia com atitude, que lide com a multirracionalidade, superando estigmas e estereótipos, em sintonia com a globalização, mas atuando na localidade. “Será que a sociedade brasileira está preparada para esta transformação? Que cenários étnico-políticos irão se esboçar a partir daí?”, finalizou Júlio, deixando o questionamento para a plateia.

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